terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O Bairro Alto antes dos copos



Desde o século XVII que elas paravam no Bairro Alto, sobretudo nas Ruas da Rosa, do Norte, das Gáveas e do Século. Em finais do século XIX, de acordo com o sociólogo José Machado Pais, no livro A Prostituição e a Lisboa Boémia do Século XIX e Início do Século XX, estratificavam-se em três níveis: as cocottes finas, como a célebre Fernanda do Vale, cobravam 1.000 a 2.250 réis; as médias provocavam homens nas ruas e janelas ao preço de 240 a 1.000 réis; as baixas viviam em pisos térreos e aguardavam pelos operários e marinheiros numa meia porta de madeira, e cobravam 40 a 240 réis.

Na década de 60, com a proibição de casas de passe, passaram a instalar-se nas 70 hospedarias da zona. Em 1985, passaram para a Travessa da Queimada.
Belino Costa, jornalista de A Capital no tempo em que a redacção era no Bairro Alto, estava farto de ver colegas morrerem de enfarte.

Os repórteres que trabalhavam no bairro levavam vidas de excesso, com álcool e tabaco. Um dia, falaram-lhe num espaço para arrendar, uma carvoaria no número 111 da Rua da Barroca. “A dona, que tinha galinhas na rua, punha-as no forno para aquecerem”, recorda.

O forno da pastelaria Belinha, na Rua da Atalaia, no Bairro Alto, deitava tanto calor para as três assoalhadas por cima que os moradores (Jaime, Maria de Fátima e o filho, Caló) tinham de tirar os sapatos para as solas não derreterem. Ao lado, a padaria de São Roque estava já a passar por dificuldades. Colada à padaria, a Tasca do Manel tinha uma mascote invulgar, a gaivota Rita, que afugentava cães e gatos. Os três estabelecimentos chamaram a atenção de Carlos Fonseca e Manuel Reis.

Em 1980, os dois pagaram aos proprietários uma indemnização para saírem – e iniciavam-se os anos da moda no Bairro Alto. A 15 de Junho de 1982 nasceu o Frágil, que revolucionou o local: a fábrica de bolos foi convertida em bar, mantendo os azulejos originais; a padaria serviu para a entrada e para as casas de banho; e a pista de dança ficou na tasca.

“As pessoas faziam fila”, recorda Margarida Martins, porteira do Frágil entre 1983 a 1991, a seguir à produtora de cinema Minda e que chegou a fazer dupla com a cantora Anamar. Era “a Guida Gorda do Frágil”, conhecida pelo zelo com que filtrava as entradas. Numa festa de Carnaval, foi feito um boneco igual a ela, vestido com uma saia enorme por baixo da qual todos tiveram de passar para entrar. Lá dentro bebia-se whisky, vodka laranja, rum cola, gin tónico e cerveja. O guitarrista Carlos Paredes aparecia logo depois de jantar, para beber um sumo de laranja e conversar sobre política nos bancos à entrada.

A transição de tasca de traficantes e prostitutas para bar de elites não foi fácil. “Andei seis ou sete meses à porrada e pus dois seguranças em cada esquina para evitar que essa gente entrasse”, recorda Prima Martinez, que gere o espaço com a irmã Conchita, desde a morte do pai, em 1986.

Em dois meses, o ambiente mudou, com a presença dos Rádio Macau, Jorge Palma e Madredeus, da actriz Alexandra Lencastre, dos estilistas Ana Salazar e Valentim Quaresma e da pintora Ana Vidigal.
O Arroz Doce, que também começava a ficar cheio de “betos”, tinha sido uma casa de prostituição, gerida pela Tia Alice, “uma mulher muito maternal, que tratava toda a gente por meus meninos”, segundo Belino Costa. Ficou famoso pelos shots, alguns com nome impublicável.

O Artis, que abriu na Rua do Diário de Notícias a 13 de Junho de 1983, de propósito para coincidir com o dia e mês de nascimento de Fernando Pessoa, tornou-se outro pólo de intelectuais. O dono, Mário Pilar, começou a coleccionar livros sobre a história do Bairro e descobriu que o escritor francês Júlio Verne passara por lá em Maio de 1884. Verne chegou de coche à Rua da Atalaia, 36, onde hoje fica a loja de Fátima Lopes.

Muitos dos cinco mil moradores do bairro nunca lá entraram. E alguns continuam a preferir manter-se afastados das discotecas e bares, que são agora 91, de acordo com a Associação de Comerciantes do Bairro Alto. São fiéis às tascas e casas de fados que deram vida ao bairro fundado oficialmente em 1513.
A 15 de Dezembro desse ano foi decretada a urbanização das herdades, com o nome de Vila Nova de Andrade. A Rua do Norte, onde vive Mário Correia, de 77 anos, foi das primeiras a serem construídas, tal como a Rua das Gáveas. “Nasci no Bairro, saí em 1961 e depois voltei”, conta.

Sim, eu ainda sou do tempo em que 500§00 deva para apanhar um pifo no Bairro e ainda sobrava para apanhar o táxi em direcção a casa...

in: Sábado

1 comentário:

Teófilo Silva disse...

Eu conheci muito bem o Bairro Alto pois trabalhei lá durante 4 anos na Rua do Norte. Isto nos anos 54 a 58. Na altura vivia na calçada do Combro. Gostei de rever o Bairro Alto através deste post e conhecer alguns factos que desconhecia.

Um abraço.