sexta-feira, 16 de abril de 2010

Portugal...



A Quinta do Lago e o quintal de legos
por André Macedo in: Jornal i

Em Portugal, os mais chiques dizem retrete e não sanita, presente e não prenda, saudades à Rita em vez de cumprimentos à esposa. É extraordinário - ou melhor, "estodinário" -, como a linguagem, que serve para fazer pontes e aproximar as pessoas, é usada para construir barreiras e cavar diferenças sociais.

Acontece que as palavras não têm propriedade, estão na boca de quem as quiser dizer. Por isso, embora metade do país se ache chique a valer, na realidade contam-se pelos dedos os portugueses que vivem na Quinta da Marinha e passam férias estendidos na Quinta do Lago.

Portugal não é, afinal, uma paróquia, é uma quinta de aspirações e delírios sociais. Há outros países assim, mas como o nosso é um dos mais pobres entre os mais ricos da OCDE, esta vontade colectiva de passar por quem não somos assenta como uma luva à situação económica do país. Pobres, endividados, quase falidos, caminhamos para o abismo de nariz empinado e a convicção absurda de quem tem uma vivenda - aliás, casa, moradia ou palacete - na Lapa e vive dos rendimentos de um tio que estudou lá fora e exibe um chalet em Courchevel.

Mas que família é essa que nos permite viver acima das nossas possibilidades e reclamar a mesada ou um simpático empréstimo quando a massa escasseia? Quem é esse tio estupendo que, na verdade, não é tio nenhum, mas que insistimos em tratar como se fosse da família e com ele pudéssemos partilhar laços de sangue que nunca nos deixariam ficar de mão estendida? O nome é brasonado: União Europeia.

O problema com esta falsa sensação de pertença a um clube de acesso reservado é que hoje a questão não é apenas de pertencer, é de performance. Não basta fazer fronteira com Espanha e, talvez um dia, estar ligado por TGV a Madrid e a Paris. Não basta exibir alguma patine e o passaporte europeu. É preciso mais. É preciso ter dinheiro. Sem este condimento não há crédito e o país vai morrendo às prestações.

Olhemos para a Grécia. A Grécia sempre serviu de barómetro a Portugal. Quando a víamos pelo retrovisor, inchávamos de orgulho; quando percebemos que já ia à nossa frente percebemos que alguma coisa não estava bem. Hoje a Grécia deixou de ser barómetro: é uma espécie de espelho, embora não reflicta Portugal com exactidão. Na semana passada o governo grego foi aos EUA pedir dinheiro emprestado. Apresentou-se como orgulhoso membro da União Europeia? Sim, mas com um detalhe arrasador: foi negociar o empréstimo com os financiadores que gerem os mercados emergentes - onde o risco é maior e os juros a pagar são muito mais elevados.

Portugal corre o risco de lhe acontecer o mesmo. Podemos achar injusto que nos confundam com os gregos só porque também somos o país de Sócrates, mas isso é irrelevante - aliás, possidónio. Somos o que somos. Não vivemos numa quinta, sobrevivemos a custo num quintal. É uma pena extraordinária. Um verdadeiro horror.



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1 comentário:

Julio Amorim disse...

Bem observado...! E já estamos neste barquinho há algumas décadas.
Vamos lá a ver se ele se aguenta com tanta água.....